quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Em uma noite de lua.

Certa vez, alguém me fez uma pergunta – “Não acha que é muito egoísta e pretensioso dizer que não há nada superior a você?” – Uma pergunta assaz agradável.


Respondi calmamente – “Não minha cara, na verdade acho que é bem humilde da minha parte.”
Ela ficou perturbada com minha resposta, e a discussão continuou por algum tempo com outras questões - umas inteligentes, outras pobres em crítica -, mas essa questão é de longe a mais interessante. A questão foi interessante e a resposta foi simples e elegante. Tão simples e elegante quanto “penso, logo existo”. Na verdade há uma longa e complexa linha de pensamento. E não escolhi essa frase de exemplo por ser algo acessível, mas por sua importância – Talvez você não saiba, mas o pensamento por trás disso é o que permitiu o mundo ser do jeito que é hoje: Método Científico e, antes ainda disso, o ceticismo.


O que leva alguém a ter o ceticismo como base do pensamento? Ceticismo parece ser algo tão falso, afinal, no final você acreditará em algo (mesmo que sempre deixando uma brecha para a outra possibilidade). Algo tão cruel, pois algumas vezes pega tudo aquilo que temos de valor e diz que é mentira e que a nossa cabeça é a responsável. Algo tão destrutivo, sendo que apenas a experiência permite comprovar as coisas ceticamente.


Mas isso é apenas um pensamento superficial. É difícil pedir para que alguém, que não tem pensamento cético, pensar ceticamente. Assim tentarei mostrar alguns dos fatos que, por mais simples que pareçam, ouvi dizer que levaram a esse pensamento.


Vestibular é algo assustador. Sempre foi. E algumas das bases da física é “ação e reação”. Lembra? Eu te lembro: “Quando um corpo A exerce uma força sobre um corpo B, simultaneamente o corpo B exerce uma força sobre o corpo A de intensidade e direção igual mas em sentido oposto.”


Agora que lembrou, vamos lembrar os vetores. Vetores são as representações direcionais em um espaço (uma, duas ou três dimensões práticas).


A relação disso? Se seu professor de física for bom, nada de mais. Se o seu professor foi ruim, é extremamente controverso.


Não irei explicar o correto, pois o certo não tem graça.


Mas, se você colocar em vetores duas forças iguais em sentidos contrários, o resultado será zero newtons. E ponto final.


Você olha os livros/apostilas, a mesma coisa. Alguma coisa está faltando. Algo está muito mal explicado. Devo apenas aceitar quieto ou devo me perguntar. Questionar aquilo que diz estar certo, questionar quem diz estar certo é ceticismo.


Cidades pequenas são interessantes. O que acontece, todos sabem o que foi e com quem aconteceu. Claro que cada um conta a sua
estória, mas unindo tudo e desconsiderando o que parece excessivo, temos uma estória quase real.


E em uma dessas cidades pequenas de interior, um escândalo: a única farmácia de manipulação de homeopáticos é fechada. Todos aqueles que dependiam dos homeopáticos para sua saúde ficam pasmos: O rapaz que cuidava da farmácia, se converteu a alguma religião e, para deixar sua vida de pecados e mentira, disse. Vereador, homem de bem, todos os senhores tiravam o chapéu para aquele que oferecia com dignidade saúde. Aleluia, disse então que não era farmacêutico e que, ao conversar com um amigo, decidiu que vender água era uma solução prática de vida. Sim, devo me lembrar que ele vendia álcool de cozinha e, como ganhou dinheiro, arranjou um jeito de produzir aquelas “bolinhas” homeopáticas. “Três vezes, de oito em oito horas. Sua artrite melhorará, bem como o médico da cidade grande disse.” Questionar aquilo que diz estar certo, questionar quem diz estar certo é ceticismo.


Mas é claro, isso é só para colocar que o começo do ceticismo em alguns casos. Casos que ouvi dizer. O meu não talvez não seja tão interessante quanto esses.


Quando a tal verdade se mostra falsa, ou você ignora aquilo e segue sua vida, ou você se pergunta se nada mais pode ser mentira. Com certeza a ultima opção é a mais rara. Questionar é sempre ruim.


Pior: Até que ponto você está disposto a questionar? Todos se questionaram, principalmente perto do vestibular, se o que estão aprendendo é importante ou se vai usar no futuro. Todos se perguntaram, pelos uma vez na vida, por que os pais viviam “encima” de vocês. Mas, até que ponto você
estaria disposto a se questionar. Questionar o incrível, o óbvio e questionar a si próprio.
Poucos. Poucos mesmo. Até por que, questionar o óbvio aparenta ser um absurdo.


Aquele clássico “penso, logo existo”, se liga aqui. Lógico, os grandes filósofos vão coachar - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!" – Mas o que importa do nosso companheiro invisível René é que se não for indiscutível, nada feito. Tem que ter como duvidar para que está certo ou errado. Em palavras plebéias.

Deveríamos ser como aqueles antigos que falavam, com o marfim de suas estatuas: “Isso precisa existir”?


Essa discussão, e as variantes que vem disso ficam para outra. Estamos nessa.


Será que esse ceticismo não é, por si só, um grande egoísmo? Afinal, parece ser tão óbvio. Achar que podemos nos colocar em um pedestal e julgar as coisas.


Realmente. É uma linha de pensamento. Entretanto, outro questionamento deve ser feito: Como definiremos o que é verdade em um mundo onde conceitos contrários se dizem igualmente verdades ou contrárias?


Um pensamento humilde e livre deve começar do zero e, ao analisar as coisas, ver se é real e se não pode haver outras explicações que possam ser duvidadas e comprovadas. Por que a lâmpada brilha? Por que há um éter luminoso que emana dela? Não há outra explicação?


Esse pensamento de dúvida permite com que análise tudo com liberdade de pensamento. O pensamento de ninguém está acima de você, apenas os argumentos e a dúvida inerente.
E disso vêm algumas perguntas.


O que é mais humilde: Achar que sou submisso a uma divindade suprema e perfeita que me criou semelhante a ele, ou achar que sou apenas um conjunto de reações químicas (explicadas pela ciência) em um planeta girando ao redor de uma pequena estrela no canto de uma galáxia perdida no nada?


O que é mais egoísta: Dizer que tudo foi criado para mim e que alguém perfeito está me guiando e me observando pessoalmente, ou achar que as únicas coisas que estão próximas de mim são outras pessoas que, nem sempre estão preocupadas comigo?


O que é mais pretensioso: Falar abertamente que você tem as respostas e que elas são perfeitas, e ainda dizer que se outro não achou respostas, é por incompetência dele, ou dizer que não temos todas as respostas – e que talvez nunca venhamos a ter -, mas que lutaremos para ter o máximo de respostas e que elas sejam acessíveis a todos que procurarem?


Não meu caro, não me preocuparei em te demonstrar lentamente a linha de pensamento que te levará a entender todo o universo, até por que ninguém deve ter. Mas te convido a ser humilde e a duvidar. Afinal, por mais que as crianças não queiram aceitar: Conhecimento é liberdade.
Primeira duvida, na verdade, é a mais importante: Você é humilde o bastante para dizer “não”?


Flávia Bittencourt.

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